quarta-feira, 29 de abril de 2015

As gajas cresceram e multiplicaram-se

«Há cada vez mais gajas em toda a parte, já reparaste?», dizia um homem a outro homem, na intimidade do tremoço partilhado ao balcão da cervejaria. 
«Porra. Nem me digas nada. Até o meu chefe vai ser agora substituído por uma gaja», dizia o outro homem. As gajas são mulheres que vêm com uma deficiencia genética que lhes impede o acatamento do Modelo Cultural Feminino. Em crianças, preferem correr e andar de bicicleta a brincar aos tachinhos, desprezam bonecas e amam os animais; são as chamadas marias-rapazes. Na adolescência, preferem as calças as saias, por razões pragmáticas que nunca ocorreriam às mulheres-modelo, e, em vez de se limitarem à ginástica física indispensável ao encanto e elasticidade próprios de futuras mães, metem-se a concorrer com os rapazes em assuntos de ginástica mental, esquecendo que nada é tão feio como ver uma mulher pensar, com princípio, meio e fim, lógica e estratégia– escancaradamente, à homem. 
Ainda se pensassem em silencio - mas não; as gajas têm a mania de pensar alto e bom som. Em vez de se exibirem, como é próprio das mulheres, através da beleza e do paramento, rivalizam com os homens no espectáculo da mente. 
Querem afirmar-se, como se fossem homens, coitadinhas, sem perceberem que o feminino do adjectivo «afirmativo» é «agressiva». A mulher que é mulher deve ser doce, serena, compassiva, uma pomba de paz piando fininho em qualquer circunstância. 
As gajas, pelo contrário, têm a mania de bater com a mão na mesa e interrogar, recusando confundir a paz com conivências mansas, quase vegetais – por exemplo, com regimes que suprimem as mulheres.
Com a agravante de que algumas gajas acumulam: são lindas de morrer e espertas de fugir a sete pés.
(...)

Inês Pedrosa.

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Se me encontrares

Se encontrares o meu sorriso
Na encruzilhada do tempo,
Diz-lhe que volte, que não estou completa.
Diz-lhe que sem ele a Primavera não faz sentido.
Fala-lhe das saudades que sinto.
Que embarque no primeiro navio,
Que rume ao cais da vida que escolhi.
Um dia
No passado e agora no presente,
Sei que fiz a escolha certa,
Que com ele estou completa.


HHoje 2014

sábado, 25 de abril de 2015

Abril 25

"O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, 
mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer." 
Albert Einstein

Continuo a acreditar no meu País.
Foto que tirei no Forte de Peniche testemunho da luta pela liberdade.

Ps: Acho que sou uma lírica.




sexta-feira, 24 de abril de 2015

Intensamente

Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou, onde estou.
O amor sabe. O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu voo.

Casimiro de Brito, in "Intensidades".

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Inesperado vendaval

Como em qualquer momento da vida,
pensamos estar preparados para os embates e circunstâncias do dia a dia que se quebra,
se desmorona e abate sobre nós qual vendaval inesperado.

Pensamos,
mas só em pensamento o imaginamos,
esperando que esse momento não nos atinja,
na nossa já tão frágil existência.

Nós não escolhemos o Amor, mas o Amor escolhe-nos.
Parece incontornável e irreal pensar que esta é a condição humana que molda o que somos,
não o que queremos ser.

A mim,
parece-me que o Amor se confunde com a vida real,
se mistura e dilui com a ilusão dos dias.


HHoje

domingo, 19 de abril de 2015

Subitamente

Subitamente  fiquei  calada !
Quase não consigo pensar,
quase não consigo andar.
Sempre digo que algumas coisas são assim !
Sempre  alcanço o infinito…
Até que uma estrela igual a tantas outras chega,
Chega…e não volta.
O caminho a vencer a estrada envolta na neblina compacta,
contrária em tudo o que existe,
confusa de sinónimos, conclusão precipitada.
Construído pedra a pedra lá está o suporte.
Suporte até suportável,
Pano de linho branco tão puro, igualmente suportável.
Tentativa aniquiladora da pureza devastando tantas marés,
Saldando resgates infindáveis.
Continuação não existe, perduração extensiva do risco,
Sensação percorrida pelo concreto.
Já está o sol no horizonte, pendentes estão as estrelas lá no alto.
O fio que as tece afina os enlaces.
A escala desce sucessivamente e chega ao cândido momento.
Momento encantado, percorrido por cautelosos palhaços.
Candura premeditada,
Consolação pacata dos que sabem!

HHoje

sábado, 18 de abril de 2015

Os ratos roem nos caixotes os restos do dia morto

Duas horas da manhã. Os ratos roem nos caixotes os restos do dia morto.
A cidade pertence aos fantasmas, aos assassinos, aos sonâmbulos.
Onde estás? em que leito? em que sonho?
Se te encontrasse, tu passarias sem me ver pois não somos vistos pelos nossos sonhos.
Não tenho fome: esta noite não consigo digerir a minha vida.
Estou cansada: caminhei toda a noite para semear a tua recordação.
Não tenho sono: nem sequer tenho apetite da morte.
Sentada num banco, entorpecida contra vontade pela aproximação da manhã, 
deixo de me lembrar que te procuro esquecer.
Fecho os olhos... os ladrões não querem senão os nossos anéis, os amantes a carne, 
os pregadores a alma, os assassinos a vida.
Podem tirar-me a minha: desafio-os a que tentem mudá-la.
Deixo tombar a cabeça para poder sentir abaixo de mim a agitação das folhas...
Estou num bosque, num campo...
É a hora em que o Tempo se disfarça de varredor e Deus talvez em trapeiro.
Ele o avaro, ele o obstinado, ele que não permite que se perca uma pérola num amontoado de conchas de ostras às portas das tabernas.
Pai nosso que estais no céu... Verei algum dia sentar-se a meu lado um velho de sobretudo castanho, com os pés enlameados por ter atravessado, para se me juntar, sabe Deus que rio?
Deixar-se-ia desabar sobre o banco, guardando na mão fechada um presente precioso capaz de tudo mudar. Abriria os dedos devagar, um após outro, com a maior prudência, porque se trata de qualquer coisa que se evapora...
Que traria ele? 
Um pássaro, uma semente, uma faca, uma chave para abrir a caixa que conserva o coração?


Marguerite Yourcenar

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Neste meu mundo nada obscuro


Disseram-me que fosse dócil.
Passiva e progressiva,
Que me bastava não ter sede
Que me anulasse sem vida.
Disseram-me que poucos beijos bastavam,
pois de que serviria querer mais…
Colher um agora, outro depois
e que isso me bastaria.
Ah doce ilusão dos que sabem!

Agora que o meu corpo está livre de ti,
atrapalham-me  os dias as lembranças doutros tempos.
Sai sem deixar rasto algum, 
não quero pistas
não quero festas 
não quero palavras ocas

pois nunca me achaste neste meu mundo, nada obscuro.

HHoje

domingo, 12 de abril de 2015

Curva

Antes não nos pesava
O passado, colhíamos os dias
Ainda verdes, a frescura da sua polpa
Na vontade dos nossos dedos.

Depois vieram os sinais
dos primeiros cansaços sem remédio,
a noite fincou-se nas pedras,
fez-se de estorvos.

Aquilo que sobrou de ti
cabe-me nos bolsos
e é pouco para as minhas mãos.

 Rui Pires Cabral

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Enrolo-me

Quando não estás.!
Traço o teu rosto na minha imaginação
Teço as tuas meias da cor alegre dos teus olhos,
Visto-me de alegria quando povoo os meus pensamentos de ti.
Enrolo-me de ti na manta dos meus retalhos,
Para ficarmos inteiros.
O meu coração é uma aldeia colorida
Quando não estás !!

HHoje 

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Um quarto, por vezes dois.

"Nós somos casas muito grandes, muito compridas. 
É como se morássemos apenas num quarto ou dois. 
Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas."

António Lobo Antunes